segunda-feira, 4 de julho de 2016

Exercício e a Cirurgia Bariátrica


A Organização Mundial de Saúde classifica a obesidade como uma doença crônica, de etiologia multifatorial e de proporções epidêmicas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; ALLISON et al., 2008). Ziegler (2008) refere diminuição da média de idade de início do sobrepeso nos últimos vinte anos, com aumento da incidência e prevalência de sobrepeso e da obesidade em crianças, adolescentes e adultos jovens.

Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou uma pesquisa que revela que quase metade da população brasileira está acima do peso. Segundo o estudo, 42,7% da população estavam acima do peso no ano de 2006. Em 2011, esse número passou para 48,5%. O levantamento é da Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), e os dados foram coletados em 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. O estudo também revelou que o sobrepeso é maior entre os homens. 52,6% deles estão acima do peso ideal. Entre as mulheres, esse valor é de 44,7%. A pesquisa também diz que o excesso de peso nos homens começa na juventude: na idade de 18 a 24 anos, 29,4% já estão acima do peso; entre 25 e 34 anos são 55%; e  entre 34 e 65 anos esse número sobe para 63%. Já entre as mulheres, 25,4% apresentam sobrepeso entre 18 e 24 anos; 39,9% entre 25 e 34 anos; e, entre 45 e 54 anos, o valor mais que dobra, se comparando com a juventude, passando para 55,9%.

A obesidade é multi determinada por fatores fisiológicos, genéticos, ambientais, sociais, culturais e psicológicos, e aumenta o risco de ocorrência de doenças orgânicas e transtornos mentais e comportamentais, tais como os transtornos depressivos, de ansiedade, de personalidade e de compulsão alimentar (LOLI, 2000; ARONNE, 2002; CAPITÃO; TELLO, 2002; DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002; AZEVEDO; SPADOTTO, 2004; FANDIÑO et al., 2004; HALPERN; RODRIGUES; COSTA, 2004; SANTOS, 2005; ALLISON et al., 2008). O fator genético da obesidade tem recebido destaque nas pesquisas, ampliando a compreensão de que a obesidade depende de uma vulnerabilidade biológica associada ao desenvolvimento do comportamento alimentar e ao sedentarismo (DEVLIN; YANOVKI; WILSON, 2000; ARONNE, 2002; ALLISON et al., 2008).

Nos casos de obesidade mórbida, as pessoas geralmente têm uma longa história de tentativas na diminuição do peso, por meio de dietas e pelo uso de medicação, com as quais não obtiveram o efeito desejável (DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002; ASCENCIO, 2006; GIBBONS, 2006). A compulsão alimentar tem relação com a obesidade mórbida e é um fator dificultador do tratamento, ocorrendo com maior frequência em pessoas com obesidade precoce, oscilação entre períodos de perda e ganho de peso (SEGAL; FANDIÑO, 2002; APPOLINÁRIO, 2004; FANDIÑO et al., 2004; SANTOS, 2005). Para Kathalian (1992, p. 274), “a quantidade de tecido adiposo conta uma estória que por vezes é intensa, grave, duradoura, removível ou eterna. Mas, sem dúvida alguma, plena de frustrações”.

A cirurgia bariátrica é um dos recursos utilizados no tratamento da obesidade mórbida e considerada o método mais eficaz por Devlin et al. (2000), Garrido Jr. (2004) e Santos (2005). Consiste na intervenção cirúrgica realizada no aparelho digestivo para diminuir a ingestão e absorção de alimentos. O resultado esperado é a perda de peso e a melhora das comorbidades, gerando melhora na qualidade de vida. A cirurgia não altera os demais fatores envolvidos na etiologia da obesidade mórbida (SANTOS, 2005).


De acordo com o Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica - SBCBM, a cirurgia é indicada para pessoas maiores de 16 anos, desde que haja consenso entre a equipe médica e familiares, apresentam obesidade mórbida estável por pelo menos cinco anos, com tentativas de tratamento prévio por no mínimo dois anos, ou para pessoas com índice de massa corporal (IMC) entre 35 e 40 que sofrem de patologias associadas, tais como hipertensão arterial, problemas ortopédicos, apnéia do sono e diabetes; é contra-indicada nos casos de cirrose hepática, doença renal, disfunções hormonais, dependência química, quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados.

O procedimento para realização da cirurgia bariátrica inclui avaliação individual, realizada por médico cirurgião e clínico, nutrólogo e/ou nutricionista, psiquiatra e/ou psicólogo, fisioterapeuta, educador físico e anestesiologista (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005). Após a avaliação, o paciente irá conhecer as características, as necessidades, os riscos e as limitações da cirurgia, participando de reuniões com a equipe multiprofissional e com pacientes já operados, para assim ter mais certeza da decisão (BELFORT, 2006).

Apesar dos benefícios proporcionados pela cirurgia bariátrica, os obesos mórbidos ainda encontram dificuldades com a manutenção da massa corporal e com o surgimento de inúmeras complicações de ordem metabólica após a cirurgia. Reconhecidamente a prática regular de atividade física ou exercício físico tem se apresentado como um importante componente, não só para o controle do peso, mas também para redução de outros fatores de risco.

Diversos fatores parecem ser determinantes para o início da obesidade. Porto et ali, identificaram em amostra de obesos mórbidos do estado da Bahia que, 36% tornaram-se obesos na infância, 14% durante a puberdade e 33% nas sucessivas gestações. Evidências apontam que as causas da obesidade na infância vão desde o ambiente intra-uterino, ganho de peso além do normal no primeiro ano de vida, aporte calórico excessivo, hábitos sedentários, entre outros. Além do mais, crianças e adolescentes obesos comumente permanecem obesos quando adultos, tendo risco aumentado para doenças metabólicas e cardiovasculares. Ao analisar o comportamento do IMC, observou-se redução significativa após a cirurgia bariátrica, com tendência de estabilidade ponderal a partir do sexto mês após a realização do procedimento. 

Em amostra de 48 pacientes, operados com o mesmo procedimento cirúrgico e com distribuição semelhante por período pós-operatório, houve redução gradativa do IMC, com diferença estatística em todas as fases (< 6 meses, 6 a 11 meses e 12 a 18 meses), atingindo também menor IMC e maior percentual da perda de massa corporal no período de 12 a 24 meses. Dependendo do tipo de cirurgia realizada, a redução da massa corporal tende a ser mais intensa nos seis primeiros meses, estabilizando após dois anos, com chances de recuperar uma parte perdida após atingir este platô. Na avaliação dos itens relacionados à saúde, observaram-se melhoras significativas na percepção da qualidade do sono, redução do estresse e da ansiedade. A obesidade parece apresentar relação com maiores níveis de sintomas depressivos e ansiosos, porém, com a redução da massa corporal, são observado aumento da autoestima, melhora do relacionamento social, diminuição da ansiedade e depressão. A diminuição da ansiedade também contribui para o aumento do controle do mecanismo compulsivo da ingestão alimentar, observado após a cirurgia, o que ajudará a manter as dietas de baixas calorias.

Com relação à qualidade do sono, a maioria dos pacientes classificou como boa após a cirurgia, caracterizando uma melhora significativa. Charuzi et al. 22 analisaram por meio de questionários e polissonografia 51 pacientes submetidos à gastroplastia, e encontraram melhoras em todos os parâmetros de qualidade do sono analisados, devido a redução significativa das apneias, associadas à redução da massa corporal alcançada pela cirurgia.

Em se tratando do comportamento para atividade física foi observado aumento significativo nas atividades ocupacionais diárias de intensidade moderada após a cirurgia. A diminuição das atividades de alta intensidade pode ser explicada pela realização recente da cirurgia em alguns pacientes, em que grandes esforços não devem ser realizados. E também, podem ocorrer complicações pós-cirúrgicas, necessitando de maiores cuidados e acompanhamento médico. As atividades ocupacionais diárias e as atividades de lazer ativo são importantes indicadores para verificar se indivíduos são suficientemente ativos ou não.

A avaliação da atividade física realizada no tempo destinado ao lazer tem sido frequentemente assumida como uma boa representação da prática na população. Semelhante ao estudo de Reis et al.,  foi observado um aumento das atividades de lazer após a cirurgia, sendo citadas como atividades preferidas a caminhada, o andar de bicicleta, dançar, ir à praia, jogar vôlei e futebol. Houve relatos de melhor disposição para realização de tais atividades, devido à redução da massa corporal e melhora das comorbidades. Entretanto, a participação em programas de exercícios físicos foi muito pequena, tanto antes, quanto após a cirurgia. Elkins et al.,  observaram que a falta de exercício era característico em 40% dos pacientes obesos com seis meses de cirurgia bariátrica, aumentando em indivíduos com até um ano pós-cirurgia. Em contrapartida, Silver et al., observaram que antes da cirurgia 17,9% dos indivíduos praticavam atividades físicas regularmente, aumentando para 82,9% após a cirurgia. Mais recentemente, no Brasil, estudo identificou aumento no número de praticantes de atividades físicas após a cirurgia, porém, quanto maior o período pós-operatório e mais próximo à massa corporal desejada, menor a prática de atividades físicas. O envolvimento regular com atividades físicas é fundamental para perda e/ou prevenção do aumento da massa corporal.

É importante que tal comportamento seja incorporado desde a infância e adolescência, pois além de promover benefícios à saúde já nestas idades, as chances de os indivíduos permanecerem ativos na idade adulta são maiores. Em suma, foi possível identificar que o comportamento para atividade física em geral não foi satisfatório, tanto antes, quanto após a cirurgia, ao contrário dos indicadores de saúde, os quais demonstraram melhoras significativas após a cirurgia.

Um dos motivos pode ser pelo fato de a maioria dos participantes do estudo, relatar necessidade de orientação para atividade física, mesmo afirmando ter bom conhecimento sobre os seus benefícios e sua saúde. O acompanhamento por um profissional de educação física parece ser essencial para uma adequada orientação e prescrição, provavelmente favorecendo a um maior engajamento na prática de atividades físicas, podendo contribuir não só para o sucesso da cirurgia, mas também em benefícios para a saúde em geral.


Além do mais, são escassos os estudos que tratam do comportamento para atividade física nesta população, dificultando uma discussão e análise mais aprofundada do assunto.

De qualquer forma, ilustramos a importância do exercício físico na vida do paciente, seja ele no pré e/ou no pós-operatório, pois somente adotando uma vida mais ativa, poderá alterar a sua qualidade de vida e a sua rotina de forma definitiva, caso contrário, o risco do aumento do peso corporal, após o período pós-cirúrgico será encarada como procedimento normal na vida de um indivíduo que não mais poderia ganhar este peso.  

Em breve estenderemos este artigo para os procedimentos a serem executados antes da cirurgia bariátrica e quais atitudes devem ser adotadas posteriormente ao procedimento.

Um grande abraço.

Prof. Gabriel Lage

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